08/03/2020

Senhora holambrense virou mãe de três meninas aos 65 anos

Maria das Graça perdeu sua filha há 11 meses e agora é mãe das três netas. Ela não tem apoio de ninguém na educação das meninas

Isabella Anunciação

Comemorado desde o século 20, o chamado Dia Internacional da Mulher representa o memorial da luta pelos direitos femininos. Essa data vai além de comemorar com flores e chocolate. Ela conserva, reafirma e promove os direitos do sexo feminino. Particularmente, ela também me remota a minha infância e como a luta histórica das mulheres impacta a sociedade ainda hoje.

Quando eu era criança, sonhava em ser uma princesa para conquistar tudo o que eu quisesse. Depois de algum tempo, passei a admirar a princesa Bela – personagem fictícia e protagonista do filme de animação da Walt Disney Pictures, A Bela e a Fera. De todos os filmes de conto que eu costumava assistir, esse era o que tinha a princesa mais parecida comigo – sou negra e o cabelo da princesa é castanho. Sendo assim, me identificava nela.

Não é difícil perceber que esse episódio levanta discussão sobre representatividade, que por falar, é um tema que tem ganhado grande proporção na sociedade. De igual maneira, as grandes passeatas feitas no século 20 pela luta e os direitos das mulheres tem forte influência social até hoje. Entretanto, esse não é o mérito da reportagem. O relato que você lerá a partir de agora é de uma mulher que, assim como as grandes da história, é poder de influência.

Maria das Graças, a heroína sem premio Nobel

“Eu vejo a minha avó como uma guerreira. Essa é a imagem que eu tenho dela”, contou-me Iris de 12 anos. Só de conversar com Maria das Graças Frade de Campos é possível perceber que a doçura da sua voz não se delimita apenas ao falar. A senhora de 65 anos carrega em seus traços uma história de constante superação.

Ao encontrar com a Maria, percebi que detrás daquele olhar singelo existia uma mulher que já passou por muitos percalços na vida. Ela  foi criada em Holambra e aos 7 anos já acompanhava o pai no trabalho na lavoura. Colhia algodão, milho e ajudava com as ferramentas, assim ela viveu boa parte da infância. O tempo passou e com 12 anos de idade, assinou sua primeira carteira de trabalho em uma cooperativa da cidade. Para a senhora, trabalho nunca foi motivo de desânimo, sempre gostou. “Depois de trabalhar na cooperativa, fui para uma floricultura em uma estufa. Já trabalhei de tudo nessa vida. Trabalhei de empregada doméstica, com sucata, tudo o que aparecia eu trabalhava, e meu último emprego fui em um jardim”, relembra. Mesmo por ter trabalhado tanto tempo com plantas, ela descobriu cedo que na vida nem tudo são flores.

Se eu realmente fosse uma princesa, talvez não teria a oportunidade de conhecer essa mulher tão forte. Ela me contou que lida com a saudade desde cedo. “Eu comecei a perder muitas pessoas na minha vida muito nova. Primeiro morreu meu pai com 53 anos, depois meu irmão com 26 anos e dali foi caminhando…”. Há 15 anos ela é viúva e há 11 meses ela perdeu sua única filha. Segundo ela, foi uma das piores dores que já sentiu até hoje.  Aline Aparecida de Campos morreu aos 39 anos e deixou três filhas pequenas. A mais velha (Iris) tem 12 anos, a do meio tem seis e a caçula tem dois anos. “Ela descobriu que estava com câncer no parto da Heloísa, a mais nova. Um câncer raro e muito agressivo no útero. Ela lutou, lutou, mas não teve jeito”, conta.

“Eu sinto muita falta da minha família, principalmente quando era criança. Hoje eu não tenho mais ninguém”. Maria relata chorando ao contar que todos os dias agradece a Deus por ter as meninas. “Essas três são tudo para mim. Quando eu saio de casa levo todo mundo junto, não gosto de deixar ninguém sozinho”, complementa. Apesar das dificuldades, ela explicou para mim que não tem um momento do dia que não goste. “Eu as levo para escola feliz e volto contente. A hora que elas chegam da escola é quando eu mais sinto paz e alegria no meu coração”.

Como que fica o coração de uma pessoa que perdeu tantas pessoas importantes? Essa dúvida martelava em minha mente e fiquei impressionada ao me deparar com uma mulher tão positiva. “Eu penso que a gente tem que enfrentar as dificuldades. Eu converso muito com Deus e não fico com raiva dEle por essa situação. Eu sei que Ele sempre fará o melhor pela gente. Tenho certeza que lá na frente, Ele vai dar minha vitória. Então, não adianta ficar ‘sapateando’ agora”.

Maria se considera uma guerreira, e não é para tanto. Ela conta que as pessoas admiram a sua força e paciência. “Só eu sei o que eu tenho passado. Quando minha filha faleceu, as três pequenas ficaram doentes e eu não tive apoio de ninguém. Elas tiveram uma gripe muito forte e os médicos disseram que era por conta da carga emocional, da perda da mãe. O único apoio que eu tive foram dos médicos de Holambra que me ajudaram muito. Depois que elas melhoraram, fui eu quem fiquei doente. Mas hoje já está tudo bem”, recorda.

Quando a Aline faleceu, disseram para ela deixar as meninas com o pai e seguir  vida dela. Ela me disse que essa ideia nem passou pela cabeça. “Enquanto eu estiver viva vou cuidar das meninas” é a sua convicção. Desde essa decisão, a rotina que antes era: acordar, tomar café, ir para o serviço e voltar à tarde, agora é correria o dia todo. “Eu levanto, arrumo o café, depois faço almoço, dou banho nelas, levo elas à escola, busco, tenho que me preocupar com a janta. Quando chega a noite eu estou esgotada!”, revela. Mesmo em meio a essa rotina, difícil para sua idade, ela não se queixa. “Eu não reclamo, eu amo muito as minhas pequenas! O que me dá força para viver são elas”.

Em meio a essa rotina movimentada, Maria ama esfriar a cabeça em seus artesanatos. no decorrer da nossa conversa, ela relatou que precisou dar uma parada por conta da filha, mas que quando voltou a fazer se sentiu completa. “Faço bonecas de fuxico e de pano, palhaço de fuxico e chaveiro com bonequinhas. É bem gostoso fazer, é o que me distrai”, diz.  Ela faz essas bonequinhas há 8 anos e aprendeu sozinha. Isso não é impressionante? Ela conta que um dia costurando seus fuxicos percebeu que dava para fazer alguma coisa com eles, daí montou uma bonequinha. Desde então, a atividade tem sido seu hobby. “Antes eu trabalhava de jardineira e aos sábados e domingos eu ia pro moinho, na feira de artesanato. Eu vendia muito bem. Depois que minha filha ficou doente, eu não fui mais. Agora só vendo para aqueles clientes fixos”. Maria tem desejo de voltar à feira, mas por causa das condições atuais prefere deixar uma amiga vender para ela.

A família recebe algumas cestas básicas e o pai das meninas ajuda com uma pensão. Porém, Maria é quem, e única, que as educa. Para ela, o dia das mulheres é todo dia. “As mulheres trabalham, cuidam da casa, dos filhos, não é verdade? Se não fosse a gente o que seria dos homens? Me refiro ao ventre principalmente”, comenta.

Embora Maria tenha muitas alegrias com as pequenas, seu desejo mesmo é vê-las crescidas e realizadas.  “O meu maior sonho hoje é ver minhas filhas grandes, trabalhando e em um caminho bom. E eu peço para Deus muita paz na minha vida e na das minhas filhas. Eu só quero minha cabeça em paz e vê-las bem”, deseja.

O mundo foi e é repleto de mulheres que fizeram grandes feitos. Maria não é nenhuma celebridade, não participou de passeatas, muito menos ganhou algum prêmio Nobel. Contudo, ela é uma heroína para as pessoas mais importantes de sua vida, suas três filhas.

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