São Nicolau e os Pedros Negros: tradição gera debate em Holambra

Bruna Ravanhani

Além das festividades natalinas, o mês de dezembro em Holambra é marcado pelo aniversário de São Nicolau. Comemorado no dia 5, a tradição holandesa é celebrada nas ruas holambrenses. Parte da tradição inclui os “Pedros Negros”, ajudantes de São Nicolau.

A história de Zwarte Piet – Pedro, o Negro em Holandês – têm diversos desencontros. A mais conhecida, entretanto, é a de que o ajudante de São Nicolau é um limpador de chaminés que possui o rosto manchado de preto por conta da fuligem encontrada nas lareiras.

A tradição, mantida há mais de 70 anos em Holambra, têm entrado em debates polêmicos nos últimos anos. As opiniões divergentes acerca do tema inundaram as redes sociais nas últimas semanas.

A tradição

Em Holambra, assim como no país europeu, pessoas saem nas ruas vestidas de roupas coloridas, rosto pintado de preto, batom vermelho e perucas representando os Pedros. Os ajudantes de São Nicolau são responsáveis por verificar se as crianças estão se comportando.

Em 1986 foi formado o Grupo Losango, composto de 8 integrantes – 4 vértices e 4 lados. No ano de 2013, o grupo se tornou a ONG “Associação Cultural Losango” e anualmente promove diversas atividades ligadas à tradição.

Em 2019, a tradição de São Nicolau e Pedros Negros passou a ser considerado patrimônio cultural imaterial em Holambra. O projeto foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal. Desta forma, todas as características que deram origem à essa manifestação da cultura holandesa ficam preservadas conforme características originais, passando a integrar o acervo histórico e cultural do município.

Holambrenses saem em defesa da tradição

Apesar do Grupo Losango decidir não se manifestar a respeito, uma das participantes publicou um texto no Facebook onde defende a tradição. “Para mim, o que me move, é unicamente, o sorriso das crianças, que enxergam o ajudante do São Nicolau, preto por fuligem, de casa que nem chaminés tem, mas é assim, ponto! E para os pequenos nada mais importa”, diz uma parte do texto.

A publicação possui mais de 600 curtidas e 300 comentários em defesa da tradição. A holambrense Ana Luiza também demonstrou apoio. “Holambra é um pedacinho da Holanda aqui. É uma tradição holandesa, não vejo maldade”, disse.

Ex-Prefeito do município, Celso Capato também saiu em defesa do grupo. “Os Pedros Negros como são carinhosamente chamados os ajudantes de São Nicolau. Esta cultura, esta tradição tem meu apoio e respeito. Jamais pode deixar de existir por comentários maldosos de quem não conhece a História. Parabéns Grupo Losango por não deixar a tradição acabar”, diz o post feito no Facebook.

Sim à tradição, mas com mudanças

O holambrense Thomas Siepman, também em sua rede social, defendeu a tradição. Entretanto, apontou que mudanças são necessárias – assim como ocorreu na Holanda. “A tradição dos Piets e do São Nicolau só precisa de algumas mudanças para que todos possamos curti-la juntos. Saem as perucas afros, fica a diversão. Saem os lábios volumosos e vermelhos, ficam os sorrisos das crianças. Sai a pintura no rosto, fica a tradição. A mudança não é só possível, visto o que foi feito aqui na própria Holanda, como também necessária!”, disse.

Thomas também disse que, quando criança, adorava ser visitado pelos Piets e não enxergava problema na forma em que eram retratados. Hoje, mais velho, diz que sua visão mudou. “Não concordo que o motivo que essa tradição se manteve em Holambra provém do fato de seus habitantes serem racistas. Longe disso. Mas também consigo entender o motivo de alguém de fora, e que não conheça muito a Holanda, achar errado que essa tradição exista em Holambra. Pior ainda é se a pessoa em questão souber do passado escravocrata da Holanda. Afinal a Holanda lucrou muito com o tráfico de negros da África às Américas”, relata.

E na Holanda?

Em 2020, o Primeiro Ministro Holandês disse que esperava que, em alguns anos, a tradição não existisse mais. Mark Rutte disse, ainda, que sua opinião foi formada após pessoas pretas – inclusive crianças – lhe dizerem que se sentiam descriminadas pela figura do Zwart Piet. “E eu pensei, essa é a ultima coisa que queremos durante as celebrações de Sinterklaas (São Nicolau)”, finalizou.

Morando na Holanda há 11 anos, Valéria Matos diz que o tema sempre é debatido durante essa época do ano. “Eu particularmente não gosto da tradição, acho que tradições mudam porque o mundo evolui. Isso de falar ‘Ah, é festa de criança e elas não veem racismo’ é um argumento fraco. No final do dia, o que importa para as crianças são os presentes, sendo eles entregues por São Nicolau e os Pedros Negros ou pelo Papai Noel e as renas”, diz.

“Não há motivo para continuar usando uma tradição arcaica. Os Piets usam características físicas de pessoas negras de forma caricata (as perucas e os lábios marcados de vermelho). Aqui, existem vários relatos de crianças pretas que sofrem racismo nas escolas sendo chamadas de Zwarte Piet, e pessoas mais velhas também sofrem esse tipo de agressão. Isso desumaniza as pessoas, elas deixam de ser pessoas e viram um personagem que é herança do período colonial”, conclui.

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