27/04/2016

Protetores de animais denunciam maus tratos e abandonos em Holambra

Para eles, é necessário mais apoio e aperto das leis

Ana chega à praça dos coqueiros com os olhos minguados. Snoopy está desaparecido desde o feriado e a conversa que é para denunciar os maus tratos a animais em Holambra começa com um rumo diferente. “Estou tão preocupada. Ele escolheu ser da rua, então o alimentava. Mas todos os dias ele ia e voltava. Sempre acompanhado de outros dois. Até que os outros dois voltaram sozinhos, com a cara de quem diz: ‘Ele tomou seu rumo’. Me preocupo que tenha acontecido o pior”, e deixa lágrimas escorrerem no rosto, pedindo desculpas, como se tivesse algo a que se desculpar. Desde que veio para Holambra, em 2015, Ana Maria Crespo passou a se dedicar ao trabalho com cães e gatos de rua, e parte das lágrimas que caem não contemplam apenas o desaparecimento do Snoopy, mas sua preocupação com a cidade, onde assiste os maus tratos a animais saírem impune.

A maus tratos, Ana entende como todo o tipo de ação que cause mal estar ao animal e que cause impactos negativos a sua existência, o que inclui o abandono. A ideia tem respaldo no decreto 26.645 e é aplicado na Lei 9.605/98 que institui como crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa.

Um exemplo disso, Ana vivenciou na porta da sua casa no Jardim das Tulipas há alguns meses. Um senhor caminhava com o cão na coleira, ao lado do filho, quando o cão parou e o senhor começou a bater no animal com a corda da própria coleira, feita de ferro, a fim de apressá-lo. A criança teria pedido para o pai parar, mas não cessando com os golpes, Ana interviu, sendo xingada na sequência. “Falei que aquilo era crime. Que estava errado e que se ele continuasse iria chamar a polícia. Mas ele não deu bola. Ainda disse: ‘Ó, eu moro ali ó’, duvidando que eu faria alguma coisa. E ele saiu e eu fiquei lá, preocupada, pensando no que poderia fazer. Então passou uma viatura da Guarda Municipal e contei o que havia acontecido”. A Guarda acionou o senhor, que na volta pediu desculpas a Ana. Um dos raros dias em que alguém voltou atrás diante das “implicações” da mulher que, falam, “não tem mais nada pra fazer além de ficar cuidando dos cachorros dos outros”.

O trabalho de proteção animal coloca Ana em situações de riscos físicos e psicológicos e a falta de apoio faz com que a carga de cuidar dos animais de rua consuma tempo e recursos dela e de outros protetores, como Nelly Van Schagen, a Nell, que tem mais de 100 animais em um terreno na área rural de Holambra.

O espaço localizado no bairro Alegre abriga 13 canis onde estão divididos os animais de acordo com a idade e origem. Dentro dos cercados, Nell sabe chamar cada um pelo nome e contar as situações das quais foram livrados. Alguns vieram da rodovia, abandonados em duplas, outros da própria Holambra, encontrados à mercê de doenças e dos perigos da rua movimentada.

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Porém, os 30 mil metros quadrados alugados por Nell estão em quarentena. Há dois anos que seu contrato venceu e desde então a protetora convive com o medo do despejo e a ânsia de conseguir um novo local. Sem recursos, ela apenas mantem os animais e junto com um grupo de cerca de dez pessoas fundou a Associação Arca de Holambra, voltada para proteção animal, a fim de capitalizar fundos. No entanto, sem sucesso.

Hoje, entre as despesas de Nell estão R$ 100 diários gastos com alimentação, o aluguel mensal de R$ 1,5 mil e o pago em castrações e vacinas, que não consegue contabilizar.

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Ajuda

Como o trabalho é feito de maneira independente, um grupo de amigos se uniu para realizar um bingo de Dia dos Namorados, em junho, com o objetivo de arrecadar um montante necessário para sanar as dívidas e ajudar os animais.

Ao todo foram confeccionadas 800 cartelas de ‘bingões’ que dão direito a quatro rodadas de prêmios. Entre eles, uma TV de 32 polegadas, um microondas, uma bicicleta, uma diária em uma pousada, R$ 1,3 mil em dinheiro e dois vales no valor de R$ 500.

Além dos bingões o grupo deve vender binguinhos, com prêmios a serem definidos.

Segundo uma das organizadoras do evento, a empresária Danielly Rocha de Oliveira, a mobilização é para ajudar Nell que já abriu mão do seu conforto para cuidar dos animais abandonados da cidade. “Achamos justo ajuda-la de alguma forma nesse trabalho árduo, porque não é fácil cuidar de um, dois ou três cachorros, imagina mais de 120”, destaca. O valor arrecadado deve servir para ajudar nos custos com ração, água, veterinário, jardineiro, manutenção dos canis, combustível e veterinário, hoje arcados pela própria protetora.

Mas Ana cita ainda que outras formas de ajudar são oferecendo tempo para limpar os canis, adotando os animais ou apadrinhado: custeando gastos de um animal escolhido pela própria pessoa caso não o possa levar para casa. Para ela, porém, o essencial seria apoio do poder público e a criação de leis mais rígidas, que trabalhassem no problema desde as bases.

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Legislação

Em Holambra, a Lei Municipal 485 criada pela vereadora Jacinta Van Der Heijden (PSDB) e sancionada em 20 de novembro de 2001 diz respeito aos animais nos logradouros e vias públicas da cidade. O texto destaca que é proibido a permanência de animais nesses espaços, com previsão de recolhimento para os “depósitos do município com os quais a prefeitura possuir convênio” (primeiro parágrafo o artigo 1).

Para Jacinta, o texto precisa de revisão, já que foi feito há 15 anos e usava termos que não cabem mais à cidade. A vereadora também reconhece que são necessárias outras leis para que o trabalho preventivo seja mais eficaz, uma vez que ter animais na rua também é uma questão de saúde pública.

Nas últimas semanas, Jacinta apresentou na Câmara um projeto para instituir no município campanhas de castrações aos animais. A vereadora deve agendar uma reunião com profissionais veterinários da faculdade para criar parcerias a fim de que isso seja criado. “Não queremos que seja uma lei morta”, destaca. “Mas o objetivo é que tenha uma programação. É importante que haja a guarda consciente e que isso seja trabalhado nas escolas, com as crianças, para que se diminua o abandono, por exemplo. Há todo um contexto. A lição de casa a gente tem que fazer que são essas campanhas. É visível e notório que a proliferação desses animais está acontecendo.”

A falta de um senso canino, que aponte a quantidade de animais no município, é uma das problemáticas apontadas pela vereadora para o avanço do trabalho da proteção animal no município.

Outra lei que lembra os maus tratos a animais é a 843, que cria a semana de proteção aos animais de Holambra. A data que precede o dia mundia, 4 de outubro, é para que sejam realizadas no município atividades de conscientização. “Por proteção aos animais entende-se o conjunto de ações destinadas a promover a educação ecológica da população e o respeito à vida e a integridade física e psíquica dos animais, viando ao bem estar”, diz o texto.

Mas para Ana, essas atitudes isoladas ainda não garantem a segurança que a cidade precisa. Para ela é preciso mais envolvimento e mais ações urgentes, pois de outra forma animais continuarão a ser deixados nas vielas. “Os animais devem viver sem fome, desconforto, dor, medo e estresse. E eles devem ser livres para expressar seu comportamento normal da espécie. O animais devem ser mantidos em condições que assegurem o bem estar físico e mental deles.”


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