24/03/2016

Padre de Holambra faz reflexão sobre Páscoa e diz que data serve para renovação

Na Sexta-feira Santa, Padre Paulo fala sobre significado da Páscoa e como a sociedade de consumo mudou a essência da data.

Padre responsável pela Paróquia Divino Espírito Santo, Paulo Henrique Dias tem uma visão singular sobre a Páscoa. Nesta sexta-feira (25) quando se lembra a crucificação de Jesus, ele volta a Bíblia para citar a essência do momento, perdido na correria da vida moderna. Segundo ele, as propagandas potencializaram a necessidade de suprir os desejos da alma humana com o consumo de coisas, substituindo a importância do ser pelo ter. “Hoje temos a tentação de transformar nossas ansiedades e nossas frustrações ‘em chocolates’ para saciar a fome da alma por vida, por dignidade e por ser amados”, metaforiza.

Para esta Páscoa, padre Paulo frisa a necessidade de reflexão para que o que ele chama de velho homem seja transformado.

Nesta entrevista ele ainda explica elementos da Páscoa cristã, qual a sua referência na Bíblia e deixa uma mensagem aos holambrenses: “Que nos despojemos do antigo e velho homem, vivente das trevas da maldade e oprimido pela escravidão do pecado, renasçam para uma vida nova, iluminada por Deus e regida pelo Espírito.”

A Páscoa é uma data cristã e é lembrada na Bíblia com a libertação do povo de Israel e com a morte de Jesus. Qual o significado desses eventos para a festa que temos hoje? A prescrição sobre a necessidade da preservação da memória da Páscoa nasce em tempos remotos na sociedade judaica como meio de continuidade da ação de Deus para com seu povo e de ruptura com a escravidão e o julgo pesado imposto pelo Faraó, no Egito. Embora já existisse uma festividade agrícola com pães, a celebração de Páscoa, ou Pessah (passagem), quando os hebreus são libertados, o seu significado ganha o sentido de passagem da terra da escravidão para a conquista da terra prometida. Uma oração em forme de memória é típica: “Em tempo de escravidão e opressão, lembrem-se de que foram criados para a liberdade; em tempos de liberdade e satisfação, lembrem-se de que foram escravos”. Portanto, Jesus sendo um bom judeu, pede aos discípulos prepararem-lhe a cerimônia da Páscoa. Ele apresenta um novo entendimento sobre a Páscoa e redimensiona e amplia seu sentido para uma compreensão de finalidade de sua missão redentora e salvadora do mundo: revelar a face misericordiosa e amorosa de Deus, que envia seu filho ao mundo concluir a obra da criação, indicando a porta de entrada na eternidade, e não somente para terra onde corre leite e mel, mas para o Paraíso celeste: a porta do amor-serviço, caridade e solicitude.

Quais os principais símbolos da data? Essa data é definida pelo calendário lunar (lua cheia) junto a estação da primavera no norte e outono no inverso. A luz é um símbolo extraordinariamente marcante. Na celebração solene da Páscoa, a assembleia reunida na noite (trevas) faz memória da ação salvadora e criadora de Deus durante horas da madrugada até o romper do sol pela manhã. No início dessa celebração uma grande vela chamada Círio Pascal (símbolo do Cristo Ressurreto) irrompe a escuridão (as trevas da morte), é acesa com o fogo abençoado e, depois, cada fiel, vai ao Cristo (Círio Pascal) buscar a luz para iluminar a vida e sair das trevas do pecado e da morte, para passarem (Páscoa) para a graça e a vida nova, iluminando o mundo e as pessoas. Também nesse dia há o símbolo das águas batismais. Ela representa, como toda a liturgia, o começa de uma nova criação predestinada a adentrar a eternidade e vencer as batalhas contra o mal e as tentações de poder, fama e acúmulo de bens, e ser lavado pelas águas para um vida de ajuda aos fracos, humildade e partilha. Também há quem se lembra da importância da palavra de Deus. Ela criou o mundo (Deus disse: faça-se…); Jesus por meio da palavra (diálogos com ensinamentos) muda a mentalidade das pessoas.

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Muitas pessoas optam por fazer algum tipo de jejum durante a Quaresma. O que há de especial nesse período?  O Jejum era uma prática muito antiga para Israel e há momentos que o próprio Jesus recebe fortes questionamentos por alguns verem que seus discípulos não cumpriam a lei do jejum. Em momento algum ele abole a lei, mas propõe uma reflexão aos seus interlocutores. Diz: “que sentido faz o jejum dentro de uma festa de casamento e na presença do noivo?” Ali ele fez um convite para que festejassem a presença do Esposo (Deus) com sua Esposa (Igreja, povo) que estavam em núpcias. Como não enxergam nada além de humano em Jesus, a preocupação com o descumprimento da Lei cegava suas inteligências e os mantinha no que era raso, sem profundidade alguma. O jejum condensa em si uma sábia maneira de ver a vida e dela escolher a melhor parte. Em nossa região, mesmo com as mazelas que temos, cresce a obesidade, egoísmo e insatisfação. Com a prática do jejum, talvez, encontraríamos uma oportunidade de reflexão sobre nossa conduta e porque não dizer frutos de partilha, saúde e gratidão. Encontramos no jejum, não um regime, uma dieta, mas um tempo para lembrar que somos humanos, e na experiência curta da fome, lembrarmos que existem nossos irmãos.

O que a Semana Santa tem de diferente das outras? O centro das nossas atenções é a festividade de Páscoa. Ela é a razão de todas a celebrações e orações. A ressurreição como evento único na história requer de nós uma maneira mistagógica (aproveitamento dos sinais e símbolos) construída em séculos de inspirações litúrgicas todo um  arcabouço de proposições que ajudam a piedade, o entendimento e preparação espiritual para a vivência da Páscoa, que deverá levar o crente a uma vida nova. Deste modo, as orações que precedem a solene liturgia pascal, desejam provocar uma reação benéfica, que incuta a fé, desperte os sentidos e mova os corações a se configurarem com o Cristo que toma sua cruz, isto é, que não resmungava, nem murmurava contra o peso aos ombros; a semelhança de Maria, mulher ícone da fé inabalável, batalhadora e de firmeza de espírito, que esteve presente em momentos primordiais para fé, o nascimento, a crucificação, e no cenáculo. Nesse período ela se nos apresenta corajosamente fiel e resignada, sofredora e confiante, e apresenta para a Igreja o modelo de discipulado: ser fiel seguidor de Jesus necessita de fé e de coragem para sair do acomodamento e ter um coração flexível e dócil à vontade de Deus, que nem sempre realiza nossos pedidos, mas, sobretudo, lapida nossa alma para ser preciosa aos olhos seus e do mundo.

Como essas imagens da via sacra reforçam o significado da data na cidade? Infelizmente recebemos uma educação que pouco estimula a arte e sensibilidade e, principalmente, pouco ou nada incentiva a reflexão, e quando a faz, abstém-se de critério, se pauta em conceitos egocêntricos e individualistas ou meramente criticar por criticar. A fé e seus mistérios foram postas em dúvida e Deus virou uma possibilidade sob a ótica massacrante do racionalismo, e atualmente o cientificismo a tem deixado marginalizada por não se submeter aos novos critérios da verificabilidade da ciência. Por este ângulo a exposição da via-sacra se torna, no máximo, uma manifestação do folclórico ou vestígios remanescentes de um período superado pelo pós cristianismo. Mas o mais íntimo do coração humano tem sede e fome do transcendente do sobrenatural, ali está impresso o dom divino e ninguém pode retirar. Aqui está a melhor maneira de se situar o significado da via-sacra. Não é o que elas apresentam-se a mim, mas o que há em mim, no meu íntimo que pode ser preenchido pelo que não vejo, ou melhor, estou defronte a um véu que mostra a arte humana, de algo invisivelmente divino: o amor de Deus feito imagem humana, para dar aos homens a chance de serem divinos.

A sociedade de consumo tem confundido o significado da páscoa? A sociedade de consumo criou uma paralela páscoa comercial. Ela aproveitou-se da festividade pascal e de algum modo materializou um certo desejo existencial de uma nova vida com possibilidade imediata da satisfação no paladar. As propagandas potencializam a necessidade de suprir os desejos da alma humana com o consumo de coisas. Podemos estabelecer uma comparação à semelhança da tentação de Jesus quando foi tentado a transformar pedra em pão, e logo resolver o problema de sua fome. Hoje temos a tentação de transformar nossas ansiedades e nossas frustrações (que são hoje como que as pedras) em chocolates para saciar a fome da alma por vida, por dignidade e por sermos amados. Claro que chocolate é uma delícia e não há nada de errado em comê-lo, aqui a situação conflitiva é de se substituir algo imaterial (vida nova, mudança de mentalidade e amor ao próximo) por satisfação pessoal e egoísta, e retirar a origem comunitária da experiência de salvação da Ressurreição, tornando assim a fé como meio lucrativo e nada espiritual sucumbido esta ao lucro e não como alegria compartilhada por que Deus não esta morto.  

O cenário do país é delicado. Como essa data pode ser aproveitada para o bem dele? Costumo pensar as instituições e principalmente a Igreja como um organismo vivo; o próprio São Paulo nos diz que a Igreja é o corpo místico de Cristo. Assim, como um corpo devemos sempre fazer exercícios para uma vida sadia. Acredito que o país está em colapso por falta de cuidados com sua saúde (ética). Refiro-me a questão da eticidade na política e não seu avesso como temos visto, isto é, a politização da ética, e até mais, a “partidarização” da ética. A piedade e o temor a Deus sempre levou as pessoas a serem honestas consigo mesmas, com os outros e a valorização do trabalho e a honradez. Deus fez o mundo, salvou-o com honradez de carregar o peso da cruz; ressuscitou para abrir-nos as porta da eternidade e deixou uma prescrição médica para as almas de que vivessem o evangelho. Estamos sendo descuidados com a saúde ética de nosso país, e quando ele tem um enfarte, um AVC, queremos tirar da cartola um remédio analgésico, que não leva à cura, mas apenas sana a dor. Acredito que a meditação da Páscoa possa ajudar os cristão a romper com escuridão da corrupção e levá-los a cultivar a ética e que em todos e quaisquer lugares deve brilhar a luz da verdade da comunhão.

Uma vez ouvi uma música que dizia que a Páscoa “não é somente coelhos nem ovinhos de chocolate”. Mesmo assim a cidade é enfeitada com esses elementos. Como isso pode ser analisado pela ótica do significado da Páscoa cristã? As coisas belas podem e devem fazer parte de nossas vidas. Não há problemas com os ovos, as cores, os chocolates, os coelhos etc. A questão é o esvaziamento dos símbolos e o advento da criação de novos sinais que em nada exprimem a história. É dentro da historia que nos percebemos pessoas e nela também que somos amados. Destruir símbolos ou ressignifica-los é romper com a cultura e recriar uma antropologia que nem sempre levam a comunhão e ao bem comum. O catolicismo preservou muitos símbolos e festividades até pagãs e redimensionou seus significados cristianizando-os. Com isso criou uma cultura cristã ocidental que visava a cristianização com o aproveitamento cultural do que não feria a fé e era expressão do bem, do belo, para um bem comum. Pergunto-me qual a finalidade dessa reconstrução cultural? A qual bem comum elas servem? A perda dos referenciais sagrados e tem provado que não suficientes para a complexidade existencial e natural dos seres humanos a razão e a ciência, nem tampouco a economia de consumo.

 Deixe uma mensagem aos holambrenses… Aproveito o ensejo para todas as pessoas de boa vontade para que esta páscoa seja um momento singular de renovação de nossas mentalidades.  Que nos despojemos do antigo e velho homem, vivente das trevas da maldade e oprimido pela escravidão do pecado, renasçam para uma vida nova, iluminada por Deus e regida pelo Espírito Santo saibam refletir aos que com vocês conviverem a luz que vem do altíssimo e transforme os momentos da vida em oportunidades de crescimento espiritual e transformação desse mundo de coração rompidos em reino de Deus, local de comunhão e espaço de peregrinação à nossa pátria celeste.


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