02/04/2017

“Minha palavra incomoda muita gente”, exclama advogada de Holambra

Luciana Toledo, ex-funcionária pública, conta sobre bastidores da política municipal

Daniela Fernandes / Diego Faria

Em entrevista especial ao Portal Holambrense, a advogada – com especialização em Direito Público – e cientista política Luciana Toledo Pennings conta sobre os bastidores do Poder Público holambrense, após retornar a cidade há dois anos. Com uma experiência e currículo vasto, ela construiu a carreira profissional em Câmaras de Vereadores – como assessora parlamentar – em Prefeitura e, também, especificamente na ‘Cidade das Flores’, como diretora do Serviço de Água e Esgoto e Drenagem Urbana de Holambra (Saehol).

Luciana aborda assuntos polêmicos durante a entrevista a seguir. Entre as pautas estão suspeita de nepotismo na Câmara Municipal, a situação da qualidade da água em Holambra, supostos descumprimentos contratuais do Saehol, além de fortes opiniões sobre o Poder Executivo e Legislativo do município.

Confira a entrevista na íntegra:

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Você foi diretora do Serviço de Água, Esgoto e Drenagem Urbana de Holambra (Saehol) por quanto tempo? Fui diretora da Saehol de agosto de 2016 até janeiro de 2017. Quando Celso Capato (PSD) perdeu as eleições municipais em Artur Nogueira (SP), imediatamente começou uma reestruturação na Prefeitura de Holambra, pois temos o vice-prefeito aqui que é filho do Celso. Portanto, muita gente de Artur Nogueira deveria ser alocada aqui; não adianta, isso é acordo político, e é assim que funciona. Óbvio que nessa reestruturação, na primeira leva, muita gente foi embora. No entanto, eu fiquei, porque eu era uma moeda de troca valiosa pelo conhecimento que eu tenho. Então, eu ainda fui mantida, mas perdi o cargo de direção. Assim, voltei para a Prefeitura com o cargo de atendimento na área jurídica. A cartada final foi quando o Serjão (SD) não desistiu de enfrentar o prefeito no que se refere a taxa de lixo.

Quais eram suas atribuições? A Saeol, como autarquia, tem que ter um superintendente, um presidente, um corpo jurídico, um corpo administrativo e financeiro. Eu era diretora administrativa e financeira.

Como a Saehol funciona hoje? Boa pergunta! Há um superintendente, uma direção financeira e administrativa, e um funcionário emprestado do Banco do Povo, o que é ilegal pois é acúmulo de função. Não diria desvio de função, porque ele continua no Banco do Povo. Ele entrou para cobrir férias de alguém e nunca mais saiu. Fica no banco duas vezes por semana e nos outros dias exerce sua função administrativa na Saehol. Ele faz o atendimento à população, opera o sistema, emite notas, faz protocolos… O superintendente não conhece nada dessa parte operacional. Esse menino trabalha sozinho lá, em uma função que não é dele e não recebe a mais por isso. Então, essa autarquia é, na verdade, uma bagunça. O superintendente não fica lá, fica fazendo serviço de campo, então esse funcionário ficava sozinho até a minha chegada. Depois que eu cheguei trabalhamos juntos, mas ele não poderia estar ali, tanto que o nome dele não aparece em registros, na folha de pagamento… Isso não pode, é acúmulo de função.


“Essa autarquia (Saehol) é, na verdade, uma bagunça”


Qual a função da Saehol? A função primordial da Saehol é fiscalizar a Águas de Holambra. Essa fiscalização não existe, pois o contrato de concessão é claro. Como as sanções são aplicadas toda vez que houver descumprimento de contrato, aplica-se uma sanção à Águas de Holambra. Mas isso nunca foi feito! O máximo que foi feito – e por mim –, foram as notificações. Toda vez que dava problema de água suja, falta de água, etc, imediatamente emitia a notificação, o superintendente assinava e eu entregava diretamente para o diretor de Águas de Holambra. A notificação é o máximo que a autarquia Saehol consegue fazer com Águas de Holambra.

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Por que? Primeiro porque o contrato nos deixa de mãos amarradas. Toda vez que a Águas de Holambra descumpre esse contrato, a gente pode impor uma multa a eles. Essa multa tem um valor irrisório. Para eles, compensa pagar a multa do que executar o serviço. Sai muito mais barato! Não se tem uma hipótese de rescisão contratual, não se tem uma garantia de que eles irão cumprir os serviços que lá estão estabelecidos… Esse contrato foi firmado por 30 anos, tem muitos anexos e muitos investimentos que a Águas de Holambra precisa fazer na cidade, desde o primeiro ano de concessão, mas isso não está sendo feito.

Há mais algum descumprimento por parte da Saehol? Tem-se termo de ajuste de conduta no que se refere a troca de hidrômetros que não estão sendo cumpridos. Então, o que acontece é que a Saehol hoje só existe pois está vinculada à Águas de Holambra. Se extinguir-se a Saehol, a Águas de Holambra também não existiria mais. Logo, a Saehol tem que ser mantida pelo contrato que foi assinado. Porém ela não tem natureza, não se aplica, não funciona, é uma autarquia que está totalmente descontextualizada e não é uma autarquia juridicamente formada. São pagos serviços de advogado sim, de contabilidade sim, entretanto tudo externo. Sendo que isso tudo deveria estar dentro da autarquia. Mas a verdade mesmo é que o prefeito não quer ter despesas com a Saehol, porque ela não gera receita para o Executivo. Para ele não compensa dispor dinheiro da Prefeitura para manter a Saehol. Assim, a ordem é: se vira do jeito que está. E do jeito que está não tem fiscalização e aí a água está do jeito que vocês estão vendo.


“O prefeito não quer ter despesas com a Saehol, porque ela não gera receita para o Executivo”


Você esteve por dentro do processo de concessão da água de Holambra? Não, porque a concessão já havia sido feita quando eu entrei. O que eu fiz como diretora administrativa foi analisar esse contrato passo a passo. O questionamento era justamente este: o que nós vamos fazer para que a qualidade da água melhore? Nossa função era fiscalizar. Tentei achar brechas no contrato para poder fiscalizar, mas pelo contrato é impossível fiscalizar.

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Você era a favor da concessão? Eu não sou contra a privatização, contra a concessão. Eu tenho a mente extremamente aberta. Você tem que pensar no que é melhor para a população. O que eu ouvi aqui é que existia aqui um serviço razoavelmente bom de água, mas que não havia um serviço de manutenção, os canos eram muito antigos. Isso tudo iria estourar em algum momento. Não sou contra pagar pela água. Sou contra o pagamento de maus serviços prestados. Então, assim, desde que a concessão fosse boa para a população, eu não me oporia a isso. Mas pelo que estamos vendo, não foi. E vai continuar não sendo, enquanto tudo isso não entrar nos eixos e ter um poder fiscalizador.

Muito tem se questionado sobre a qualidade da água e sobre o problema nos hidrômetros. O que você tem a dizer desses dois assuntos? O problema de troca de hidrômetros já vem desde antes das eleições. A gente foi notificado pelo Ministério Público (MP) a trocar os hidrômetros, pois estes com cinco anos de uso devem ser trocados mesmo. Com o serviço de concessão eu fui à favor da troca, porque realmente se você está prestando um serviço, você precisa de uma nova marcação. Existiam hidrômetros muito antigos que deixavam passar ar, o que refletia nas contas dos contribuintes. Alguns não funcionavam direito… Aí se abriram dois caminhos diferentes. Primeiro, a troca teria que ser feita – não tem como a população reclamar disso, foi uma ordem do MP. Segundo, uma vez feita essa troca, os hidrômetros começaram a apresentar mais problemas do que os antigos. O grande problema, então, foram os hidrômetros colocados. A promessa era de que o ar não passaria mais e que só seria medida a água. Nada disso foi cumprido. O ar continua passando, a população continua reclamando, a qualidade da água está péssima… Foi feita uma concessão? Sim. Vai ter reparo de rede? Sim. Vai parar de chegar água na casa das pessoas em determinadas horas? Sim. Essa água quando volta, volta suja? Sim. Mas é preciso esclarecer a população quanto a isso. A população não tem a quem recorrer. Procura a Saehol, está fechada. Procura a Águas de Holambra, ninguém atende. Toda troca feita não é comunicada às pessoas com 24 horas de antecedência, para que elas se programem, não lavem roupa ou não vão trabalhar. Ou seja, essa comunicação com a população não está acontecendo. E isso é papel não apenas da Saehol como da Águas de Holambra também. Esse problema dos hidrômetros não tem muito o que fazer. É um termo de ajustamento de conduta, uma determinação do MP e deve ser feita. A questão é fazer isso de modo correto, não simplesmente cumprir números que o MP exige, porque se não vai surgir outro termo de ajustamento de conduta.

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A Câmara vetou o requerimento que pedia a cópia do contrato da Saehol com a Águas de Holambra. O que você achou desta decisão? Eu acho isso muito interessante. Estou na política há muitos anos e eu nunca vi, na minha vida inteira, uma Câmara negar um requerimento. Isso não acontece, só em Holambra mesmo. O requerimento é uma pergunta que se faz ao Executivo, os demais vereadores não têm nada a ver com isso.

Você diz ter sido barrada de falar em tribuna. Por que? Porque como advogada, cientista política e conhecedora da máquina administrativa, minha palavra incomoda muita gente e mostra à população como tudo funciona. Não interessa ao prefeito que eu fale em tribuna e diga a população que ele controla a Câmara com maioria de seis vereadores, fazendo com que somente projetos planejados pelo Executivo sejam realizados na cidade. Não interessa ao prefeito que uma ex-funcionária que acompanhou de perto a campanha diga à população que sua maior preocupação não é o povo. Não interessa a presidente da Casa, sra. Naiara, que eu suba em tribuna para contar à população que ela traiu seus eleitores e provavelmente não será mais eleita. A sra. Naiara foi vice-prefeita decorativa por quatro anos e foi eleita com a promessa de que seria uma pedra no sapato do Executivo, realmente fiscalizando suas ações e denunciando práticas abusivas, entretanto, abriu mão de sua palavra ao eleitor, assim que ganhou de bandeja a Presidência da Casa em troca de seu silêncio. Não interessa a outros vereadores que eu suba em tribuna dizer que é um absurdo a quantidade de roubos e furtos acontecendo em Holambra, enquanto que eles dizem que a segurança está ótima, ou que eu diga que é um paradoxo se dizer que as crianças não precisam de kits e uniformes escolares, mas que é essencial que recebam ovos de páscoa.


“Minha palavra incomoda muita gente e mostra à população como tudo funciona”


Você também foi procurada para opinar, previamente, sobre o suposto caso de nepotismo na Prefeitura. Como advogada, como você vê essa questão em Holambra? Nepotismo é uma prática comum na política, infelizmente, pois raríssimas vezes é denunciada e, quando é, acontece o que acontecerá aqui… O arquivamento… Dificilmente uma Câmara de Vereadores vai arrumar confusão com o Executivo. O que os vereadores esquecem sempre, é que o nepotismo também é investigado pelo Ministério Público e por mais que a Câmara arquive o caso, a promotoria continuará investigando e, se confirmado, cada vereador que arquivou o caso responderá por improbidade. No caso do Sr. Wilson Barbosa e do vereador Lucas, concordo que não houve o chamado nepotismo direto, porque o chefe de gabinete não foi nomeado graças a eleição do Lucas. Mas a figura do nepotismo não só exige a troca de benefícios, como também contempla a figura do favorecimento e, no caso em tela, é óbvio que há nepotismo indireto graças ao favorecimento posterior que a posição ocupada pelo chefe de gabinete pode trazer ao vereador Lucas e vice-versa. Como exemplo, cidadãos levados à Prefeitura por qualquer outro vereador para serem atendidos pelo chefe de gabinete não estão sendo atendidos. Enquanto que, quando o vereador Lucas chega com um munícipe é atendido imediatamente pelo seu tio. Outro exemplo é a Câmara de Vereadores que vota os salários dos diretores e cargos de chefia da Prefeitura, portanto, nesse caso, o vereador Lucas votará pela aprovação (ou não) de um possível reajuste de salário para seu tio, chefe de gabinete.

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Durante todo esse tempo, por que você resolveu falar sobre estas questões apenas agora? Sempre trabalhei como funcionária pública em Itapetininga (SP) e acabei tomando esse caminho em Holambra também. Assim que assumi na Prefeitura, quase um ano antes das eleições, eu via dedicação e acreditava na seriedade do trabalho. Sempre fui ameaçada com a demissão, mesmo que indiretamente, mas nunca dei importância, porque achava que era jogo político e que se o prefeito de fato, estivesse preocupado com a população, saberia que faço um bom trabalho e não me demitiria. Quando as eleições passaram e veio o problema da taxa de lixo as ameaças de demissão se intensificaram caso os vereadores, principalmente, o Serjão que foi quem me indicou, não aprovasse o projeto. Aí comecei a perceber que os interesses pessoais estavam acima dos interesses da população. Quando fui demitida trabalhava na área jurídica e atendia a população carente. Muitas ações principalmente de alimentos, que envolvem menores e têm prazo. Quando me demitiu, o senhor prefeito deixou esse departamento fechado por duas semanas, prazos foram perdidos, audiências não foram feitas, pessoas não foram atendidas, e aí, sim, pude comprovar que a coisa era séria e que o interesse pessoal estava acima de qualquer anseio da população.

Você pretende entrar com alguma ação no Ministério Público? Temos duas ações em andamento no MP no momento… uma sobre o nepotismo e a outra contra a presidente da Câmara, senhora Naiara pelo descumprimento do regimento interno. Muitas pessoas estão sendo ameaçadas graças a transparência que estamos tentando aplicar ao Executivo, inclusive fisicamente e, se isso não parar, tomaremos providências também, afinal, quem cumpre a lei e se preocupa com seu povo não tem o que temer. Estamos analisando as contas da Prefeitura, mais denúncias de nepotismo e funcionários fantasmas bem como em acúmulo e/ou desvio de funções, e TAC´S que não foram cumpridas no prazo. Caso achemos que tudo isso tem fundamento será sim levado ao Ministério Público. Eu espero que, com essas ações, os políticos aprendam que precisamos de pessoas sérias para fazer política e que o tempo do coronelismo e da ditadura já passou. Eles podem me calar hoje, mas o legado fica e o trabalho continua. A partir de agora andaremos lado a lado com o Ministério Público a fim de que a lei seja aplicada e cumprida em Holambra.


“Eles podem me calar hoje, mas o legado fica e o trabalho continua”


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