08/05/2017

“Estação Carandiru” e o massacre não solucionado

Rico em detalhes, livro relata cotidiano de milhares de presos

Opinião

Um livro impactante, envolvente, mas muito forte – um daqueles livros que precisamos ler em dosagens pequenas, porque infelizmente a realidade assusta e enoja. Dificilmente vai ler um livro tão rico em detalhes que conte o cotidiano de presidiários como o livro “Estação Carandiru” consegue fazer. A partir de crônicas, o autor – que trabalhou na casa de detenção, em São Paulo, como médico do presídio – Drauzio Varella retrata com fidelidade a rotina, os esquemas, os desafios e o sistema carcerário brasileiro.

Com uma mescla de relatos em primeira pessoa e do próprio autor, o livro dá voz ao presidiário que relata a participação nos esquemas internos do presídio, juntamente com comentários e observações acerca da infraestrutura. Em nenhum momento o livro faz questão de denunciar as más condições do presídio e isso o autor deixa claro logo no começo do livro, assim como ao longo da obra. Nem mesmo foi escrito com o intuito de defender ou comemorar a desgraça das vidas que estavam durantes anos destinada a viverem naquele local – conhecido como a maior prisão da América Latina e que em 1992 vivenciou um massacre que culminaria com um alto número de mortos, sendo todos presidiários.

Estacao_carandiru-1494250406

Muito se discuti sobre a história, sobre os verdadeiros culpados pelo final trágico que muitos presos enfrentaram na noite do massacre, porém até o momento a justiça não foi feita e mês passado uma nova medida foi tomada; reabrir o caso e possivelmente julgar os responsáveis pelas mortes. Em nenhum momento a intenção do livro ou mesmo de todas as memórias escritas pelos presos sobreviventes (que são muitos) instigam o leitor a sentir raiva da polícia ou mesmo um sentimento de que ladrão tem que morrer, tem que ficar confinado em uma sela superlotada etc.

Pelo contrário, o livro e todos as memórias lidas até o momento por mim compreendem a indagação a respeito do que estamos fazendo ao tentar corrigir os que, julgados pela lei, são sentenciados e cumprem pena? É um assunto muito delicado e “Estação Carandiru” sabia disso ao ser escrito, pois há os que defendem o sistema carcerário atual e há os que se sensibilizam pela falta de decência com que os presos vivem.

dr.-drauzio-1494250445

Logicamente a gravidade do crime de cada um afeta também nosso julgamento particular sobre o fato de que presidiário tem que sofrer na prisão ou que não deveria viver sob tamanha indecência. Seja como for, o livro busca apenas retratar a realidade e a rotina, não vai além do que isso e não almeja convocar militantes à luta. Às vezes estamos muito acostumados que tudo o que é escrito tem um desejo em convencer quem lê e de fato as palavras fazem isso, mas “Estação Carandiru” vem com o ímpeto de mostrar a vida e artimanhas no sistema penitenciário, mostrar como funciona a outra e afastada faceta da sociedade.

Título: Estação Carandiru

Autor: Drauzio Varella

Número de Páginas: 297

Editora: Companhia das Letras

Recebeu prêmio literário Jabuti 2000

************************************************************

10273231_10201025254673327_5337772269456958905_o

Verônica Lazzeroni Del Cet é estudante de Letras na Unicamp


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.