“Estação Carandiru” e o massacre não solucionado
Rico em detalhes, livro relata cotidiano de milhares de presos
Opinião
Um livro impactante, envolvente, mas muito forte – um daqueles livros que precisamos ler em dosagens pequenas, porque infelizmente a realidade assusta e enoja. Dificilmente vai ler um livro tão rico em detalhes que conte o cotidiano de presidiários como o livro “Estação Carandiru” consegue fazer. A partir de crônicas, o autor – que trabalhou na casa de detenção, em São Paulo, como médico do presídio – Drauzio Varella retrata com fidelidade a rotina, os esquemas, os desafios e o sistema carcerário brasileiro.
Com uma mescla de relatos em primeira pessoa e do próprio autor, o livro dá voz ao presidiário que relata a participação nos esquemas internos do presídio, juntamente com comentários e observações acerca da infraestrutura. Em nenhum momento o livro faz questão de denunciar as más condições do presídio e isso o autor deixa claro logo no começo do livro, assim como ao longo da obra. Nem mesmo foi escrito com o intuito de defender ou comemorar a desgraça das vidas que estavam durantes anos destinada a viverem naquele local – conhecido como a maior prisão da América Latina e que em 1992 vivenciou um massacre que culminaria com um alto número de mortos, sendo todos presidiários.
Muito se discuti sobre a história, sobre os verdadeiros culpados pelo final trágico que muitos presos enfrentaram na noite do massacre, porém até o momento a justiça não foi feita e mês passado uma nova medida foi tomada; reabrir o caso e possivelmente julgar os responsáveis pelas mortes. Em nenhum momento a intenção do livro ou mesmo de todas as memórias escritas pelos presos sobreviventes (que são muitos) instigam o leitor a sentir raiva da polícia ou mesmo um sentimento de que ladrão tem que morrer, tem que ficar confinado em uma sela superlotada etc.
Pelo contrário, o livro e todos as memórias lidas até o momento por mim compreendem a indagação a respeito do que estamos fazendo ao tentar corrigir os que, julgados pela lei, são sentenciados e cumprem pena? É um assunto muito delicado e “Estação Carandiru” sabia disso ao ser escrito, pois há os que defendem o sistema carcerário atual e há os que se sensibilizam pela falta de decência com que os presos vivem.
Logicamente a gravidade do crime de cada um afeta também nosso julgamento particular sobre o fato de que presidiário tem que sofrer na prisão ou que não deveria viver sob tamanha indecência. Seja como for, o livro busca apenas retratar a realidade e a rotina, não vai além do que isso e não almeja convocar militantes à luta. Às vezes estamos muito acostumados que tudo o que é escrito tem um desejo em convencer quem lê e de fato as palavras fazem isso, mas “Estação Carandiru” vem com o ímpeto de mostrar a vida e artimanhas no sistema penitenciário, mostrar como funciona a outra e afastada faceta da sociedade.
Título: Estação Carandiru
Autor: Drauzio Varella
Número de Páginas: 297
Editora: Companhia das Letras
Recebeu prêmio literário Jabuti 2000
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Verônica Lazzeroni Del Cet é estudante de Letras na Unicamp
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