19/04/2016

Editor do Portal Holambrense faz trabalho fotográfico em reserva indígena no Tocantins

Etnia Krahô visitada por Norton Rocha quase foi extinta nos anos 1940.

Nesta terça-feira (19) quando se comemora o Dia do Índio no Brasil, o editor do Portal Holambrense relembra um dos seus maiores trabalhos realizados em agosto do ano passado, quando visitou a Reserva Indígena Krahô, localizada no interior do Tocantins. Na época, Norton viajou cerca de dois mil quilômetros até Itacajá (TO) para fazer pesquisas sobre o cultivo de sementes além de uma série de registros fotográficos em aldeias da reserva indígena. Parte desse trabalho foi exposto no ano passado em Artur Nogueira, mas ainda deve percorrer a região.

Localizada a 300 quilômetros de Palmas (TO), a pequena Itacajá é considerada o pórtico de entrada das Terras Indígenas Krahô, protegidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela Polícia Federal. Sob orientação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que atua na reserva indígena há mais de duas décadas, o jornalista foi recebido por funcionários da Funai, da Secretaria de Educação do Estado e por lideranças indígenas, que propiciaram, segundo ele, importantes momentos para a compreensão do contexto vivenciado nas aldeias. “Todos eles foram ótimos anfitriões, além de grandes parceiros no desenvolvimento de minha pesquisa”, descreveu Norton.

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De acordo com o jornalista, a articulação com a Embrapa foi fundamental para o desenvolvimento do projeto. “Quando expliquei meus propósitos à Embrapa, não imaginava que teria tamanha receptividade. Foi me passado uma série de conteúdos sobre minha linha de pesquisa e ainda recebi orientações sobre como desenvolver o trabalho de pesquisa em campo”. Norton afirma que apesar do suporte recebido teve de se virar sozinho muitas vezes.

“Não considero uma experiência recomendável para qualquer pessoa. Existe uma infinidade de riscos, mesmo com o acompanhamento de profissionais. Infelizmente muitos índios passam hoje por problemas com o alcoolismo e isto tende a comprometer a comunicação e gerar atritos”. Outras situações de risco envolvem a própria mata, que abriga ainda muitos animais selvagens. “A orientação era para não andar a pé à noite, nem de bicicleta ou de moto, afinal, onças são rápidas e costumam fazer estragos”.

Junto com as atividades de pesquisa, diversos acontecimentos marcaram a visita. O jornalista foi batizado e recebeu até um nome de mehim (índio): Orcuxy, que significa ‘olho de buriti’, uma espécie de árvore. “O batismo foi um dos grandes momentos vividos junto com eles. Passaram a noite cantando, enquanto um paparuto [comida típica] era assado debaixo da terra. No outro dia, cortaram meu cabelo, me pintaram com urucum e ainda passaram uma cola natural para fixar as penas em meu corpo. Tudo feito com muito carinho. Era nítido”, detalha o jornalista, que ainda recebeu dezenas de presentes dos nativos.

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“Agora sou Ibantu” disse Norton se referindo ao termo designado a quem se batiza nas águas geladas dos córregos das Terras Krahô.

“Era para ser apenas uma pesquisa de campo, no entanto, se tornou uma das grandes experiências de minha vida. Possivelmente este seja um dos propósitos de uma empreitada como esta, mas confesso que não esperava viver tudo o que passei durante o período em que estive lá”, afirma Norton.

Durante os cantos que aconteciam na noite anterior ao batismo, no centro do pátio da aldeia, onde, de acordo com o jornalista, “o som repercute de forma diferente”, houve alguns momentos de profunda reflexão. “Nessa ocasião tive um diálogo com o índio mais velho da aldeia e, portanto, a pessoa destinada por Papamo (Deus) a me batizar. Ele atravessou o centro do pátio vagarosamente e, ao se aproximar de mim, disse em um tom baixo, ‘nossa cultura está acabando’. Aquilo para mim soou como um pedido de socorro. Mas diante da complexidade dos problemas enfrentados pelos Krahô, me resignei a permanecer estático, olhando fixamente para seus olhos, até, inevitavelmente, começar a chorar. Naquele instante eu senti o peso que carrega nas costas uma liderança indígena”, explica Norton.

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As crianças, chamadas de krahré, são um universo a parte. Com um encanto genuíno em suas expressões, poucas delas falam português, mas de acordo com Norton, são espertas o suficiente para compreender o que os brancos dizem. “São quase sempre simpáticas e carregam um brilho nos olhos impressionante”. Ainda de acordo com o jornalista, a evasão escolar é muito grande, apesar do empenho da Secretaria de Educação em garantir o acesso, implantando escolas dentro das aldeias. No entanto, ele vê com cautela este processo, “afinal, a escola não faz parte da cultura deles”, explica.

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Contexto

Uma machadinha semi lunar de nome Kàjré, palhaços sagrados chamados de Hotxuá e cantos entoados como se num transe estivessem; estes cenários compõe parte de uma rica tradição que vem gradativamente se perdendo ao longo da história. A aproximação dos índios com os brancos tem mantido uma cultura de extermínio da etnia. Desta vez, porém, sem o uso de armas brancas ou de fogo, mas por meio da imposição de costumes e comportamentos. Roupas, músicas, e bebidas tem sido levadas as aldeias quase como um processo de evangelização, distorcendo substancialmente a cultura indígena, e o mesmo ocorre não apenas com os Krahô, mas em praticamente todas as reservas indígenas brasileiras. “Naturalmente que isto não é novidade, no entanto, com todo este conjunto de informações existentes hoje, deveria haver um enfrentamento mais efetivo da própria sociedade e do Estado na luta pela preservação de suas origens históricas”, apontou Norton.

A machadinha Kájré é um dos principais símbolos da cultura Krahô, e após passar um longo período no Museu Paulista da USP foi resgatada por um grupo de lideranças indígenas em 1986. O jornalista teve a oportunidade de conversar com uma das lideranças que participaram da ação. Vito Cahhýhti Krahô acredita ter cerca de 70 anos. Na conversa ele expôs em detalhes a histórica luta para resgatar a machadinha da USP e trazê-la de volta às aldeias Krahô. “Ficamos três meses na USP pressionando a reitoria a nos devolver o que já era nosso por direito”, disse Vito ao jornalista.

Atualmente existem cerca de três mil índios espalhados pelas 28 aldeias formadas na Terra Indígena Krahô. Por pouco não foram todos exterminados após uma sequência de massacres ocorridos nas aldeias Krahô durante o início da década de 1940. Três fazendeiros da região de Goiatins (TO) passaram de aldeia em aldeia com espingardas em punho e cachorros agressivos; o objetivo era dizimar com a população indígena local. Restaram aproximadamente 300 índios, que após se esconderem pelas matas por anos, foram se restabelecendo até formar o conjunto de aldeias que existe hoje.

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Futuro Krahô

Uma série de diálogos foram travados entre o jornalista e algumas das principais lideranças das aldeias Pedra Branca principal produtora de biojoias e Mangabeira onde permaneceu na maior parte do tempo. Estas aldeias devem em breve receber energia. Para o jornalista a medida irá influir para a extinção da cultura indígena. “Vivemos um período de transição entre os velhos que sabem sobre a cultura e os mais novos que sabem muito pouco. O advento da eletricidade nas aldeias ocasionará uma excessiva exposição de imagens a partir das televisões e smartphones, que chamamos no campo da Comunicação Social de ‘hipertrofia imagética’. Este fenômeno irá, muito em breve, distanciar as relações pessoais e, portanto, comprometer as condições de transmissão da cultura indígena”, acredita Norton.

Para ele a forte exposição às imagens, deve alterar significativamente a cultura dos índios naquela importante reserva. “Ninguém está preparado para receber uma carga tão grande de informações. Levar esta cultura para dentro das aldeias, será o fim de uma luta de décadas pela preservação da cultura indígena no país”, afirma o jornalista.

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