12/06/2018

Da Holanda para Holambra: a “fórmula” do amor duradouro

DIA DOS NAMORADOS: Hendrika e Wilhelmus, casal vindo dos Países Baixos, permaneceram juntos por 61 anos

Da redação  

Juntos, os moradores de Lichtenvoorde, leste da Holanda, não somam 13 mil habitantes. É provável que em 1933 o então vilarejo fosse ainda menor. Conhecida por ser muito chuvosa, a localidade era composta por pequenos grupos de agricultores e produtores de leite. Foi neste cenário que nasceu Hendrika Maria Hulshof. Não só ela, mas também seus 12 irmãos.

A interação dos habitantes do vilarejo com moradores de demais regiões era comum, tanto em ocasiões festivas como para trabalhar. O pai de Hendrika era um conhecido produtor de laticínio. Quando a demanda aumentava, sitiantes de outros lugares vinham ajudar. Esse rodízio era feito em todas as propriedades. E foi numa dessas oportunidades que a pequena holandesa conheceu o outro personagem desta história, Wilhelmus Domhof. O pai dele também vivia do sítio, este localizado em Gelderland, maior província dos Países Baixos.

Foi na segunda-feira (11), logo antes do Dia dos Namorados, comemorado nesta terça-feira (12), que Hendrika abriu as portas de sua casa para o Portal Holambrense. Sentada à mesa da cozinha, acompanhada da filha Maritha Domhof, a doce senhora procura palavras que a ajudem a recontar a história de seu casamento.

Entre flores e bombas

Com uma mistura de holandês e português, ela relembra o início da 2ª Guerra Mundial (1939-45), evento fundamental para sua vinda ao Brasil. Lichtenvoorde fica a poucos quilômetros da fronteira oeste da Alemanha. O epicentro dos bombardeios alemães ocorriam em cidades maiores, como Roterdã e a capital, Amsterdã. Porém, batalhas aéreas eram comuns na região em que Hendrika e sua família viviam.

“A casa de minha mãe era uma loucura no período da guerra”, explica Maritha, enquanto traduz as memórias de sua mãe. Os irmãos de Hendrika se escondiam para não terem de se alistar. Uma provável ida à guerra, além de sentença de morte, significava menos trabalho na fazenda, o que afetaria – e muito – o sustento da família.

Roterdã ficara destruída por bombardeios durante a 2ª Guerra Mundial

Além dos próprios irmãos, outros moradores da região se abrigavam na casa de Hendrika, a fim de fugir do exército. De um lado, as obrigações militares da Holanda. De outro, o perigo da ofensiva alemã. Uma infância marcada pelo maior conflito da humanidade. “Judeus também se escondiam em nossa casa, então era muito arriscado”, conta.

“Nós tínhamos rádios escondidos, onde escutávamos os ingleses e suas informações”. Em algumas ocasiões, aviões britânicos abalroados eram localizados pelos irmãos de Hendrika, que, quando possível, resgatavam os pilotos e os levavam para casa. “Nossa mãe utilizava o tecido dos paraquedas para fazer roupas, pois no período da guerra não tinha como obter de outra maneira”.

Posteriormente, colocavam sacos nos cascos dos cavalos (para evitar pegadas) e levavam os soldados já recuperados até a fronteira com a Bélgica, onde estes eram encaminhados de volta à Inglaterra. Se soldados alemães descobrissem qualquer uma destas ações, não havia o que fazer. “Nos matavam”, revela, com olhar de quem tem frescas as memórias da guerra.

Êxodo 

Menos de uma década após o final do conflito, a saída de europeus do continente só aumentava. Quatro países recebiam levas de holandeses, mas só o Brasil aceitava os que eram católicos. Hendrika e Wilhelmus figuravam entre um grande grupo de imigrantes que partiria rumo ao desconhecido.

Um dos irmãos de Hendrika era padre e se mudaria para Gana, na África, onde permaneceria por 30 anos. Antes, foi o responsável por realizar o casamento da irmã. “Nos casamos no dia 7 de outubro de 1954. Foi quando a jovem anexou o ‘Domhof’ ao seu nome. No dia 3 de dezembro do mesmo ano, já estávamos embarcando no navio de imigrantes com destino ao Brasil”, explica cuidadosamente para não confundir nenhuma das datas.

Casamento de Hendrika e Wilhelmus, na Holanda, em 1954

A viagem terminou no porto de Santos (SP), após 20 dias de muitas tempestades. Para pagar a passagem, o casal não poupou esforços e trabalhou de várias formas dentro do navio. Era a melhor maneira de descontar um bom valor que seria pago pelo trajeto percorrido.

Ao aportar no Brasil, porém, um contratempo. A um dia da véspera de Natal, as docas santistas estavam fechadas. “Tivemos de esperar por três dias dentro do navio até o porto voltar a funcionar. Ninguém trabalhava durante o Natal”. Um tira-gosto do Brasil logo na chegada.

A primeira tarefa ao desembarcar foi pegar o trem até Campinas (SP), onde esperariam um caminhão da Cooperativa Agropecuária Holambra, aberta seis anos antes (1948). No trajeto, o caixote, com todos os pertences do casal, caiu. “Quebrou muita coisa e avariou outras, foi muito ruim”, relata.

Nova vida em Holambra  

Ao pisarem em terras holambrenses pela primeira vez, Hendrika e Wilhelmus se estabeleceram em uma casa alugada onde hoje é a região rural do município. A vida no Brasil não se diferenciava tanto da que o casal tinha na Europa. “Vivíamos da roça”, conta a filha Maritha. “Às vezes enjoávamos da comida, mas consumíamos tudo de maneira bem natural, que nós mesmo plantávamos”. Além de Maritha, o casal teve outros oito filhos.

A vida de casados era tranquila, explica. “Trabalhávamos tanto que nem dava tempo de brigar”, afirma. A primeira visita à Holanda ocorreu 19 anos depois da viagem, em 1973. O pai já havia falecido (a mãe morrera quando Hendrika ainda era criança), mas a empreitada serviu para retornar à casa onde crescera. “Mudou muita coisa. As ruas asfaltadas, muitas mudanças. Mesmo assim consegui reconhecer”, conta Hendrika.

Legado 

Maritha explica que a vida em Holambra foi de muito trabalho, mas nunca faltou nada. Em 2014, uma festa organizada pelos nove filhos do casal celebrou as Bodas de Diamante (60 anos de casamento) de Hendrika e Wilhelmus. Dois anos depois, em 2016, o patriarca da família falecera. “Foi em decorrência da idade, ele já estava muito fraco”, esclarece Maritha, alegando que o falecimento foi um descanso para o pai.

O casal Domhof acompanhado pelos 9 filhos durante celebração pelas bodas de diamante

Durantes os últimos meses de vida do marido, Hendrika não desgrudava do marido. Maritha explica que a mãe passava o dia todo ao lado do companheiro e, à noite, quando os filhos chegavam para compartilhar dos cuidados, precisavam mandá-la ir dormir. “Se deixasse, ela ficava a noite toda ao lado dele também”.

O frutos de tantos filhos, contudo, são percebidos pela quantidade de fotos espalhadas pela casa de Hendrika. Veloz como uma adolescente, ela percorre os corredores a fim de procurar os melhores registros de seus filhos, netos e bisnetos.

Hendrika acompanhada pelos bisnetos

Aos 85 anos, Hendrika Domhof não vai passar o Dia dos Namorados ao lado do companheiro de vida (e que vida). Mas, sozinha com certeza não vai. O zelo na criação dos filhos se reflete na união perceptível que a família possui.

Hendrika mostrou nesse Dia dos Namorados que o amor não tem fórmula perfeita, mas corroborou que histórias duradouras de fato existem. Para a imigrante, o 12 de junho representa nada mais do que um dia de muito amor e saudade.

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