30/04/2016

Conheça os trabalhadores anônimos de Holambra

Eles não são conhecidos, mas realizam funções primordiais na cidade.

Isadora Stentzler

No próximo domingo (1) quando é comemorado o Dia do Trabalhador e festas são organizadas nos municípios, poucos param para olhar os trabalhadores que realizam funções essenciais, mas que recebem poucos aplausos. São catadores de lixo, coveiros, cozinheiras, motoristas de ambulâncias, jardineiros, varredores de rua que, sem brilho, passam despercebidos em atividades necessárias.

Em Holambra eles são muitos. Tem nome, endereço, sonhos e traumas.

Nesta matéria o Portal Holambrense conversou com três deles para trazer à luz quem muito faz a diferença no município e precisa ser lembrado.

Rápido, mas nem tanto

A cada dois dias Valdemir da Silva faz tudo igual. Chega em alguma das sete horas do dia, checa a ambulância e espera o telefone tocar. Se não tocar, tudo bem. Mas se tocar, adrenalina. Silva é motorista de ambulância e sabe que o tilintar da linha pode ser a tênue entre a vida e a morte de quem o espera. Por sorte, nem sempre é grave. Consegue contar nos dedos os dias que precisou buscar uma paz que não tinha para manter o foco. “Acho que é dom, sabe. Quando saio tento ficar tranquilo para chegar e fazer o que tem que ser feito. Preciso ser rápido, mas cauteloso.”

DSC_0663a_a655ef765a382fe145101eb4152ead3b9d070169

Desde que começou nesse trabalho, em 2013, sente que de alguma forma se encontrou. De criança, queria ser bombeiro, o que não aconteceu. Mas como motorista de ambulância realizou parte do sonho. Não uma vez, Silva ouviu: “Nossa, como essa ambulância chegou rápido”. E silenciosamente se gaba disso, pois entende a necessidade do seu trabalho.

Para quem pensa que ser motorista de ambulância é apenas ser ligeiro, Silva mostra que é muito mais, e esse mais, pouco tem a ver com a rapidez. Pois pé no acelerador não salva a vida, é o jeito, a forma. Quilômetros a mais podem balançar a vã de uma forma que prejudique o paciente, aí os quilômetros a menos de Silva, salvam.

Mas entre idas e vindas, houve uma que fez o coração do motorista se apertar. A ligação que o fizera entrar na ambulância viera da escola do seu filho, onde havia uma infestação de abelhas. “E se meu filho for machucado?”, pensou. Mesmo diante disso manteve o protocolo dicotômico: pressa, calma. Ao chegar na instituição viu o menino no colo de uma professora. Estava bem. Tanto quanto os outros. E só depois de enxergá-lo a salvo é que aquietou.

Silva sabe que não está a salvo desse infortúnio, mas reza todos os dias para que não aconteça. Enquanto o garoto, de cinco anos, só quer brincar de ambulância, porque vê no pai, o herói que salva vidas em Holambra.

O rei das flores

Aos oito anos Bento pegava sua primeira kalanchoe, sem mal pronunciar o nome ou sabendo o que fazer com ela, para trabalhar. Acabara de largar a escola por falta de recursos e como os tempos eram ou trabalhar ou estudar, foi logo metido nas estufas. A família recém chegada de Santo André vinha na promessa de emprego. Eram 17 crianças e um pai, recém viúvo por um ataque cardíaco que acometera a esposa, tentando reestruturar-se no interior de São Paulo. “Estudei só até a terceira-série. O resto aprendi com a vida, trabalhando”, conta à sombra do Moinho dos Povos Unidos, mirando as begônias escolhidas por ele para enfeitar a entrada da cidade.

DSC_0673_3a464cc342635c72d789232931ae0ed5462a9156

Bento Euzébio Tobhias tem 57 anos e há 12 é o encarregado de Parques e Jardins da prefeitura de Holambra. É dele a responsabilidade do tipo, cor e local onde as flores são postas, sem muitas vezes ser reconhecido por isso. “Tem pessoas que não sabem cuidar das flores. Não sabem apreciar. Sujam o local e depois colocam a culpa na gente, como se nós não limpássemos. Mas há um cronograma e fazemos isso com prazer”, fala assim, na terceira pessoa, pois faz questão de não deixar de fora a equipe com quem trabalha.

Desde cedo fora este o futuro que escolhera para si. Não sabia como, nem onde, mas que queria viver lidando com flores. Há algo nelas que o encanta e o faz dizer com um largo sorriso no rosto: “Elas trazem felicidade e trabalhar com isso é o que eu gosto.”

Antes de se tornar encarregado das flores em Holambra, ele trabalhou na cidade de Itaí com um serviço similar, onde ousou provocar os descontentados.

Em uma cidade que reclamava dos recursos e via na jardinagem um serviço fútil, Tobhias pediu para investirem nos canteiros, arrumarem os jardins e plantarem flores, dizendo que o experimento seria positivo. E os fatos fizeram jus a profecia. “Até quem falava que faltava dinheiro pro bairro elogiou. Disse que ficou bonito”, gaba-se.

É que Tobhias sabe o poder de ânimo que as flores têm. Plantar uma, duas, três, um jardim não só faz parte dos seus afazeres semanais, mas de um serviço que presta aos outros.

A justaposição é para as Anas, Marias, Paulos, Pedros que vivem e visitam Holambra sentirem-se feliz, como o é Tobhias. “As flores tranquilizam as pessoas. Não há quem não fique feliz no meio delas. Meu trabalho não é só para eu me sentir bem, mas para os outros.”

Beirando os 60 anos, Tobhias nem pensa em se aposentar. Quer mais oito anos de trabalho. Senão mais. É que as flores o enchem de vida.

Os filhos de Ozélia

Há oito anos quando Ozélia da Silva perdeu seu segundo filho ela achou que não suportaria. Mãe de cinco, agora três, esposa e dona do lar, convivia com uma tristeza que esburacava o peito. “Por tudo o que eu passei, acho que posso dizer que hoje sou feliz. É que eu tenho Deus e o trabalho me ajudou. Eu adoro cozinhar!”, conta em tom de superação em uma das salas da escola Ipê, onde tem trabalhado como cozinheira enquanto as reformas da Escola Estadual Ibrantina Cardona não ficam prontas.

WhatsApp-Image-20160429 (1)_2efc6c2ecbb9c05335be278798e5f24cb02ef4ef

Ozélia é o tipo de mulher que já experimentou todo o tipo de dor que a vida pode dar.  Fundo dos seus olhos há um brilho carregado só por quem passa as batalhas e pelo sorriso, entende-se que saiu vitoriosa.

Moradora do bairro Uniflor, teve que largar os estudos na quarta-série. Até queria ter terminado, mas o pai italiano não deixou. Em Terra Roxa, onde morava, só haviam aulas à noite e o pai, italiano, achava que as filhas não poderiam sair de casa nesse horário. Foi só depois de casada que entendeu que a vida tinha outro sentido. E como lembra, essa nova vida tinha até carteira registrada.

Há 17 anos, parte dessa nova vida a levou de novo para dentro de uma escola. Desta vez não para aprender, mas para servir. Ali, Ozélia virou cozinheira e encontrou-se no serviço que “faz de paixão”. “Na sexta à noite, no Ibrantina, já ouvi que tem gente que vai só pra comer minha comida. Não acho que isso seja certo, mas ao mesmo tempo sei que eles gostam do que faço. Tem uns que agradecem e outros que vêm conversar. Mas não posso falar mito, senão eles perdem a hora.”

A comida que Ozélia mais gosta de preparar para os alunos é frango. Diz que é uma especialidade. Mas mesmo quando se trata de fazer um pão com manteiga, o faz de bom grado. Encontrou na cozinha  a terapia para todas as dores que tinha.

E não é porque trabalha cozinhando que Ozélia pensa em ficar longe do fogão aos sábados e domingos. Seu sonho, na verdade, é ter um grande salão para todo final de semana receber as filhas e os amigos da filhas. Gente para quem ela possa cozinhar e fazer sentir-se bem. “Eu não gosto de sair. Não gosto de viajar. Gosto de receber as pessoas e fazer algo por elas.”

Aos 52 anos, Ozélia é feliz. E este é o tempero que nunca falta nos seus pratos.

 


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.